Arlindo Lopes dos Santos acorda cedinho. Todo santo dia. Toma um café. Ganha um beijo da esposa, com quem já fez bodas de ouro. Pega suas ferramentas e segue para o canteiro de obras. A rotina do pedreiro é a mesma. Há muito tempo. Mas agora, aos 64 anos, ele separa cuidadosamente na maleta um espacinho para lápis, caderno e toda a sua vontade de aprender. Seu Arlindo é um dos 50 alunos da “Educação no Canteiro”, turma de ensino livre e alfabetização montada pela Cedae, em novembro, no canteiro de obras da Estação de Tratamento de Água Novo Guandu, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
– Já perdi muita coisa por falta de estudo e, tudo o que sei, vem da prática. Me formei em pedreiro praticando dentro da obra, e a educação que tenho trago de casa. Para mim, é um grande orgulho participar dessa turma – conta Arlindo, visivelmente emocionado, e mostrando todo orgulhoso o papel em que conseguiu, finalmente, assinar seu nome.
Seu Arlindo não é o único a demonstrar emoção em poder retomar ou mesmo começar os estudos. Desenvolvido pela equipe de Trabalho Social da Cedae, o projeto fomenta a cidadania e incentiva o aprendizado dos funcionários, oferecendo aulas semanais, realizadas toda quinta-feira, das 18h às 21h, no refeitório do canteiro de obras. A grade do curso, que terá duração inicial de seis meses, oferece língua portuguesa, matemática, ciências naturais e humanas, além de temas relacionados às atividades profissionais, como cálculos e métricas.
O ensino, no entanto, é personalizado de acordo com o perfil de cada estudante, levando em consideração o grau de escolaridade. Os alunos que não concluíram o Ensino Fundamental e/ou Médio estão sendo preparados para o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), em 2023. Para alguns, como Seu Arlindo, é a oportunidade de aprender a ler e escrever. Afinal, como tanta gente no país, ele saiu de casa muito novo para trabalhar. Sustentando mãe e avó, não conseguiu concluir os estudos.
– Estou começando a estudar de novo porque quero ensinar meus netos. Não vou desperdiçar essa chance, quero ensiná-los não só a ler, mas sobre a vida e a importância da educação. Agora, depois de velho, tenho me esforçado para vir às aulas. Acho que para os meus netos vai ser motivo de orgulho ver o avô estudar – emociona-se ele, só de pensar em realizar o sonho de estudar com os 11 netinhos.
Ouvindo atentamente o que diz o colega de obra e de estudos, Genaíno Lucas pega a deixa de Seu Arlindo. Bate no peito, aponta para o céu e agradece a Deus pela oportunidade que caiu em suas mãos calejadas de tanto serviço pesado. Com décadas de profissão, se tornou especialista em preparar as armações das estruturas de concreto dos canteiros de obras em que trabalhou. Mas só está concretizando o sonho de aprender a ler e escrever agora, aos 55 anos, dentro da sala de aula do Novo Guandu.
– Eu já sou alguém, mas eu quero ser alguém que sabe ler. Eu quero ler! Abandonei os estudos antes de concluir o Ensino Fundamental. Meu sonho é não depender de mais ninguém para fazer as coisas para mim. Por todos os empregos que passei, precisava que outros colegas preenchessem minhas fichas. A leitura vai me trazer alegria e independência. Quero poder mexer no meu celular sozinho, preencher meus documentos… É só o que me falta na vida, a outra metade eu já sei – agradece Genaíno, com um brilho intenso no olhar.
Responsável por devolver esse brilho a cada aluno, a professora e pedagoga Ilma Taranto é mais uma emocionada na sala de aula. Com vasta experiência na educação e na formação de pessoas, ela conta que esta é uma das funções mais gratificantes que já exerceu:
– “Ensinar para aprender”. É com esse lema de Paulo Freire que encaro a jornada na obra. Os trabalhadores daqui nos trazem aprendizados diários como seres humanos dispostos a aprender e abertos a expor suas fragilidades. É um imenso prazer fazer parte desta iniciativa brilhante, tenho uma satisfação enorme em compartilhar conhecimento com pessoas que querem expandir seus horizontes.
Antenada à tecnologia na educação, Ilma alia o método tradicional de ensino com vídeos de empoderamento, rodas de leitura e atividades motivacionais.
– As histórias de vida contadas aqui são de muita luta e nunca de desistência, por isso, sei que vão conseguir alcançar seus objetivos. Trabalhamos para que eles tenham vontade de crescer e isso já está se tornando realidade – avalia ela.
Novo Guandu
Para garantir a segurança hídrica da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a Cedae iniciou a construção de uma nova Estação de Tratamento de Água (ETA): o Novo Guandu. Localizada em Nova Iguaçu, a ETA vai produzir mais 12 mil litros por segundo (l/s) de água, reforçando o abastecimento para mais de 3 milhões de pessoas.
O sistema contará com o maior reservatório da Cedae: o Novo Marapicu, capaz de armazenar 53 milhões de litros de água para atender Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo, Mesquita, Nilópolis, São João de Meriti, Queimados e Rio de Janeiro.